CURRAL DAS FREIRAS
View near the Grand Curral | Litografia | Desenhador Frank Dillon (Londres, 1823-1909) Litógrafo W. H. Walton | Paul & Dominic Colnaghi & Cº, Londres, 1850 | Casa-Museu Frederico de Freitas
Arquivo ACH
Arquivo ACH
View near the Grand Curral | Litografia | Desenhador Frank Dillon (Londres, 1823-1909) Litógrafo W. H. Walton | Paul & Dominic Colnaghi & Cº, Londres, 1850 | Casa-Museu Frederico de Freitas
À época do povoamento da Madeira, as terras do Curral foram doadas a João Ferreira por João Gonçalves Zarco, 1º capitão donatário do Funchal. Em 1480, foram vendidas a João Gonçalves da Câmara, 2º capitão donatário, que as entregou ao convento de Santa Clara que fundara, como dote das suas filhas Elvira e Joana, quando ali ingressaram. Por ser propriedade deste convento, passou a ser conhecido pelo nome de “Curral das Freiras”. A tradição, hoje questionada, refere que por ocasião do ataque dos franceses chefiados por Bertrand de Montluc ao Funchal, em 1566, as freiras teriam fugido para estas suas terras.
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Inicialmente, dominava ali a criação de gado, que deu o nome de "Curral" a esta localidade de onde provinham a carne e a manteiga para o consumo diário das freiras do convento de Santa Clara. É também da tradição que, nesses primeiros séculos de povoamento, estas terras, além dos pastores, seriam local de refúgio de foragidos, dado o seu isolamento e ausência de população fixa significativa, embora além da criação de gado se registem referências a uma ainda incipiente produção agrícola. Há registo de uma família Pinto originária de Câmara de Lobos ali estabelecida, representante das freiras do convento de Santa Clara. Mais tarde, provavelmente no início do séc. XVIII, um ramo da família Camacho originária de Santo António fixa-se no Curral das Freiras e passa a deter a função de procurador do convento de Santa Clara, então proprietário de todas as terras do Curral, situação que só se viria a alterar com a extinção das ordens religiosas no séc. XIX. Sabendo-se que a terra era fértil e poderia ser aproveitada além da criação de gado, terá sido esse primeiro Camacho que se estabelece nesta localidade encarregado de distribuir terras com vista a um povoamento organizado, através da fixação e aumento de uma população que passa a dedicar-se à agricultura de forma sistemática. Entre os produtos aqui cultivados, avultavam a vinha, a castanha, a ginja e a cidra, mas também o mel, além dos produtos hortícolas indispensáveis à subsistência.
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Da antiga capela de Santo António, sobre a qual se levanta a hipótese, por confirmar, de ter sido edificada sobre uma anterior ermida, sabe-se que estava já aberta ao culto em 1644. Dela ficou apenas o registo na toponímia do sítio da Capela e na memória dos habitantes que ainda referem o seu local como “Campo Santo”. Embora edificada por iniciativa particular, ficaria também a pertencer ao Convento de Santa Clara.
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Por jurisdição paroquial, o Curral das Freiras pertencia à freguesia de Santo António, mas devido à distância daquela freguesia a população do Curral e da Fajã dos Cardos, então localidades distintas, pretende a criação de uma paróquia, sendo até colocada a hipótese da construção não de uma, mas de duas igrejas, o que não ocorreria. Ainda na Capela de Santo António, ao Curral das Freiras passa, por volta de 1780, a ter vida paroquial própria. Em 17 de março de 1790, por Carta Régia de D. Maria I, assumiu o estatuto de paróquia independente, embora durante grande parte da construção da nova igreja paroquial o culto continuasse a fazer-se na já deteriorada Capela de Santo António. Por volta de 1807, estando a igreja ainda a ser concluída, já nela se realizavam os atos de culto.
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A localização da igreja paroquial denominou as proximidades de sítio das "Casas Próximas", embora este não fosse ainda então, como viria a ser, o sítio central da freguesia, que durante ainda algum tempo foi ainda a Murteira. Neste sítio se localizava o ponto de ligação entre os "sítios de cima" (Fajã dos Cardos, Pico do Furão, Fajã Escura, Colmeal, Achada, Casas Próximas), os "sítios de baixo" (Murteira, Capela, Balseiras, Terra Chã, Seara Velha, Lombo Chão) e o caminho que ziguezagueava até à Eira do Serrado, troço do caminho real nº 27 que ligava o Funchal à Boaventura, que os habitantes de algumas freguesias do norte da ilha utilizavam no seu acesso ao Funchal.
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Se o isolamento penalizava as difíceis condições de vida dos habitantes locais, as magníficas vistas sobre o vale que se divisava das serras do Estreito ou da Eira do Serrado deslumbravam os visitantes estrangeiros, que disso deixaram numerosos registos escritos e iconográficos. O miradouro da Eira do Serrado, mandado construir pelo governador civil José Silvestre Ribeiro em 1852, adquiriu progressivamente importância como um dos ex-libris turísticos da Madeira, daí se fazendo a ligação entre o Funchal, pelas serras de Santo António, ao Curral. Nas primeiras décadas do séc. XX, o acesso automóvel fazia-se apenas até ao sítio da "Estrela" e o resto do percurso a pé ou nas tradicionais redes, até à construção da estrada com os seus dois túneis escavados na rocha, que beneficiou largamente a população local. Essa ligação seria aberta em 1955, no âmbito da ampliação do Plano da Rede Complementar de Estradas Nacionais da Ilha da Madeira, que viria a possibilitar o acesso rodoviário a freguesias e sítios como o Caniçal, o Lugar de Baixo e o Curral das Freiras. O trecho final desta estrada, vencendo a rocha escarpada, foi uma obra notável que muito deveu aos "rocheiros" do Curral, trabalhando em condições extraordinariamente difíceis e perigosas.
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A conclusão da eletrificação das freguesias rurais da Madeira seria assinalada no Curral das Freiras apenas em 1962, em cerimónia presidida pelo Presidente da República.
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Embora se encontrem registos de emigração de habitantes do Curral desde o séc. XIX, foi sobretudo nas décadas de 40, 50 e 60 do séc. XX que muitos rumaram a outras terras, com destaque para Venezuela, África do Sul e França. Mais recentemente, o Reino Unido e Ilhas do Canal tornaram-se também destino de emigração de muitos habitantes desta freguesia.
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Esta evolução teve grande impacto e reflexo nas habitações, originariamente em alvenaria de pedra, cobertas de colmo - poucas não o eram nos primeiros registos fotográficos da freguesia - e depois já com reboco caiado e cobertas a telha, com elementos característicos da arquitetura popular madeirense, das quais hoje ainda se encontram diversos exemplares pelos vários sítios da freguesia, muitos arruinados, alguns recuperados, outros aguardando reabilitação. Mas, como em toda a Madeira, novo tipo de habitações avulta hoje, construídas maioritariamente pelas primeiras gerações de emigrantes e pelas gerações mais recentes da população local. O natural anseio por melhores condições de habitabilidade levou à opção por novas construções em detrimento da recuperação das antigas e modestas moradias familiares, situação que hoje poderá estar em vias de alterar-se, em função da valorização da tradição e da identidade comum que aqui se vem registando nos últimos anos.
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É esta evolução das gentes da localidade e suas edificações de diversas tipologias que o "Roteiro das Casas com Histórias do Curral das Freiras" pretende registar e divulgar, através deste projeto que se pretende participativo na partilha de uma herança e identidade comuns, contando com várias parcerias e contributos, quer na seleção das edificações mais significativas da freguesia, quer na recolha de testemunhos junto dos respetivos proprietários e de outros informantes.