Casas-museu, casas portuguesas, casas madeirenses
- zearaujo1
- 19 de out. de 2021
- 5 min de leitura
Arquivo ACH - 23-5-2020
Caras/os associadas/os e amigas/os
Apesar de estar ainda em vigor o "estado de calamidade", eis-nos finalmente em desconfinamento moderado. Este regresso à normalidade possível é o momento para cessarmos esta presença semanal que nos propusémos manter desde 28 de Março. Quando for oportuno e seguro, retomaremos algumas das atividades presenciais anteriormente programadas para este ano, embora em novos moldes condicionados pelas normas sanitárias de prevenção da pandemia.
Casas-museu
Passou no dia 18 de maio o Dia Internacional dos Museus e nele, a nossa associação celebra especialmente as casas-museu.
Na génese da "casa-museu" esteve um tipo de museu que, ocupando um imóvel que serviu como casa de alguém
- em regra personalidades reconhecidas da política, das artes ou das ciências - procurava preservar a forma original, os objetos e o ambiente em que viveu aquela pessoa ou grupo de pessoas.
Esse conceito inicial foi evoluindo para interpretações bem mais amplas e diversificadas e em 1998, foi criado no
âmbito do ICOM (Conselho Internacional dos Museus) o comité temático DEMHIST, abreviatura do francês "demeures historiques", abarcando nesta classificação tipologias que vão desde castelos a pequenas casas de todos os períodos, incluindo informação histórica, arquitectónica, cultural, artística e social. Em 2018, o 9º Encontro Casas-Museu em Portugal - DEMHIST foi realizado nos dias 23 e 24 de Fevereiro na Casa-Museu Frederico Freitas, no Funchal.
Nesta categoria se inclui um dos mais recentes pequenos museus, o original Museu da Inocência, em Istambul, Turquia, distinguido com o Prémio Museu Europeu do Ano 2014 pelo Fórum Europeu de Museus, do Conselho da Europa. Segundo o seu comunicado, "O Museu da Inocência pode ser visto simplesmente como um museu da história de Istambul, na segunda metade do século XX. No entanto, é também um museu criado pelo escritor Orhan Pamuk como uma versão integral da história de amor contada no seu romance com o mesmo nome", "foi concebido como pequeno e pessoal, local e com um modelo sustentável para o desenvolvimento de um novo museu". "O Museu da Inocência inspira e estabelece paradigmas novos e inovadores no sector museológico".
A Associação Casas com Histórias revê-se neste conceito alargado e abrangente de casas-museu, que no caso do Museu da Inocência, surge da vivência de personagens ficcionais do livro de Pamuk. De certa forma, toda a casa pode ser casa-museu de alguém (real ou ficcionado), e todas as casas nos interessam. Casas Históricas de personalidades marcantes e "casas com histórias" de gente anónima, todas são passíveis de estudo, registo, eventualmente de musealização.
Todas representam formas de habitar, de viver e conviver numa comunidade, num determinado contexto e num tempo histórico. Não são indiferenciadas, a sua especificidade está nas histórias dos que as viveram e usaram e nas complexas relações que estabeleceram com a sua comunidade e o seu tempo. Escapam assim às usuais generalizações e estereotipos.
Casas portuguesas
O mais famoso dos nossos esterotipos é talvez "Uma Casa Portuguesa", uma das canções mais conhecidas da música nacional, com música de Artur Fonseca e letra de Reinaldo Ferreira e Vasco Matos Sequeira. A primeira cantora foi Sara Chaves, mas foi Amália Rodrigues que a celebrizou mundialmente:
"Numa casa portuguesa fica bem
Pão e vinho sobre a mesa
E se à porta humildemente bate alguém
Senta-se à mesa com a gente
Fica bem essa fraqueza fica bem
Que o povo nunca a desmente A alegria da pobreza
Está nesta grande riqueza
De dar e ficar contente
Quatro paredes caiadas
Um cheirinho a alecrim
Um cacho de uvas doiradas
Duas rosas num jardim
Um São José de azulejo
Mais o sol da primavera
Uma promessa de beijos
Dois braços à minha espera
É uma casa portuguesa com certeza
É com certeza uma casa portuguesa
No conforto pobrezinho do meu lar
Há fartura de carinho
A cortina da janela e o luar
Mais o sol que bate nela
Basta pouco poucochinho pra alegrar
Uma existência singela
É só amor pão e vinho
E um caldo verde verdinho
A fumegar na tigela"
Fonte: LyricFind
"A primeira gravação data de 1953. Mas seria nos anos 60 que a difusão da canção atingiria o seu auge. Num quadro de guerra em três frentes, emigração em massa, miséria generalizada, seria assim tão agradável, aprazível, uma casa portuguesa comum? Recebendo imagens de uma Europa desenvolvida, ao lado de um estado espanhol que, mau grado a ditadura franquista, evoluíra economicamente e estava uns passos adiante de Portugal, os portugueses sentir-se-iam contentes entre «quatro paredes caiadas e duas rosas no jardim?"
Carlos Loures, A música popular como veículo de propaganda - Uma Casa Portuguesa, in https://aviagemdosargonautas.net/2012/11/02/arte-e-propaganda-das-ditaduras-portuguesa-e-brasileira-por-carlos-loures/


A idealização da "casa portuguesa" está associada a Raúl Lino (1879-1974), um dos grandes arquitetos portugueses do século XX. "Figura ímpar no panorama arquitetónico nacional, produziu vasta e eclética obra e foi autor da imagem da Casa Portuguesa, constituindo a sua principal preocupação em criar uma arquitetura integrada na paisagem. (...), a obra de Raul Lino assenta num arquétipo culturalista, no qual predomina a ideia de que só o conhecimento do terreno/paisagem sobrevalorizam conceitos e valores tradicionais da pura arquitetura portuguesa. (...) A vasta obra de Raul Lino encontra-se espalhada um pouco por todo o país".
Casas madeirenses
A obra de Raúl Lino estendeu-se à Madeira, após o convite da Câmara Municipal do Funchal para desenhar novas fachadas (laterais e posterior) que seriam acrescentadas ao palacete dos Paços do Concelho, nos finais dos anos 30. É seu o projecto da casa Ema Vieira Pereira, na Av. do Infante, n.º 56, que é hoje o restaurante Jardins do Infante.
Recorrendo a elementos historicistas e regionalistas como as cantarias vermelhas locais nas molduras dos vãos e nos arcos quebrados, os tradicionais tapa-sóis nas janelas, os beirados e alpendres, este seu projeto é acompanhado de suporte teórico sobre a Casa Madeirense, publicado na Revista Portuguesa, n.º 27, em 1942, e republicado na Revista das Artes e da História da Madeira, n.º 32, em 1962 .
(cf. Emanuel Gaspar, 2016, in http://aprenderamadeira.net/a-cidade-modernista/).
Casas Madeirenses, de João dos Reis Gomes - um dos intelectuais madeirenses mais marcantes do século XX - é uma obra de 1937 que conta com a participação do arquitecto Edmundo Tavares, questionando a existência de uma arquitectura madeirense através da apresentação de elementos típicos regionais, recolhidos a partir da observação de edifícios existentes na cidade do Funchal.
(cf. Teresa Vasconcelos, 2017, in http://aprenderamadeira.net/tavares-edmundo/)

1 . Vila Ema Pereira - Raul Lino, 1942, imagem acedida em http://aprenderamadeira.net/a-cidade-modernista/

2. Casas Madeirenses, 1937, imagem acedida em https://www.eclecticaleiloes.com/pt/auction/lot/id/14227 "Tudo que não seja viver escondido numa casinhola, pobre ou rica, com uma pessoa que se ame, e no adorável conforto espiritual que dê esse amor - me parece agora vão, fictício, inútil, oco e ligeiramente imbecil." Fiquem bem, com esta versão de Eça de Queiroz para a eterna idealização de "amor e uma cabana" e com a grande Amália em "Uma Casa Portuguesa". Continuem a enviar-nos histórias e imagens de casas vossas e alheias, dos seus habitantes e dos seus objectos. Havemos de partilhá-las em breve, de diversas formas. A Direcção da Associação Casas com Histórias
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