Tempo de viagens dentro ou fora de casa
- zearaujo1
- 19 de out. de 2021
- 3 min de leitura
Arquivo ACH - 29-8-2020
Caras/os associadas/os e amigas/os
Esperamos que estejam a passar bem estes meses quentes, em que muitos saem das suas casas e vão ocupar outras no campo ou na praia (próprias ou alheias,hotéis, pensões, chalets, cabanas, roulottes ou tendas), no passado ditas "de veraneio" ou de "vilegiatura estival".
TEMPO DE VIAGENS E DE CASAS
Neste pandémico 2020, estamos no geral constrangidos a veranear nas nossas casas ou relativamente perto delas.Apreciamos especialmente esses refúgios estivais seguros, talvez menos valorizados em anos anteriores.
Mas alguns, mais saudosos das viagens distantes que neste Verão não se fazem, tendem à melancolia de Mrs. Rooney, personagem de All That Fall, do grande escritor e dramaturgo irlandês Samuel Beckett:
“It is suicide to be abroad, but what is it to be at home . . . what is it to be at home? A lingering dissolution.”
("É suicídio estar no estrangeiro, mas o que é estar em casa... o que é estar em casa? Uma dissolução indolente" - trad. livre).
O próprio Beckett (1906-1989) deixou nas suas "Cartas", vol. IV, edição de Cambridge, azedos testemunhos de viajante errático, como esta carta telegráfica de 1968, escrita num hotel do Porto Santo (nesses anos, Portugal - Porto Santo, Funchal, Algarve, Cascais - Marrocos e Tunísia foram seus destinos de eleição): "Nada para contar aqui. Parei os antibióticos. Vento leste frio constante. Muitas vezes nublado. Praia muito poluída. Imagino se este é o lugar certo.Talvez seguir para Algarve. Cansado mover-me. Encontrar um buraco adequado e deitar para manter-se, única ambição. Hotel razoavelmente calmo. Meu banheiro cheira a esgoto" (trad. livre).
"Praia muito poluída", a do Porto Santo no Inverno de 1968? E que hotel local terá merecido de Beckett tal avaliação, tantos anos antes da existência do "Tripadvisor"?
"É suicídio estar no estrangeiro…”
TEMPO DE VIAGENS EM CASA
Em alternativa a amargurar-se noutras paragens, é tentador viajar sem sair de casa, recorrendo à literatura ou à imaginação própria: o importante é o viajante, não a viagem.
O protagonista de "Viagem à volta do meu quarto", clássica narrativa satírica ao jeito da literatura de viagens, impossibilitado de abandonar o seu quarto, afirma ter permanecido 42 dias em viagem à volta dele como se os objectos circundantes fossem paisagens de terras longínquas. O que pareceria apenas um relato pormenorizado dos objetos de um quarto transforma-se num romance fantástico e irreal, em que o autor, Xavier de Maistre(1763 - 1852), enaltece este novo método de viajar: "gratuito, circunscrito no espaço, (...) ideal para pobres, enfermos e preguiçosos" (e confinados pela pandemia, acrescentamos):
«Quando viajo no meu quarto, raramente percorro uma linha recta: vou da mesa até um quadro que está colocado a um canto; daí parto em diagonal até à porta; mas ainda que, ao partir, a minha intenção seja a de me dirigir para lá, se encontro a poltrona no caminho não estou com cerimónias e instalo-me de imediato nela.»
Há muito mundo a explorar nos quartos das nossas casas. Em 2020, é um pensamento estimulante.
TEMPO DE VIAGENS AO QUE HÁ-DE REGRESSAR
Para os que nestes meses circulavam pela Madeira e Porto Santo para participar nas romarias e arraiais que não há em 2020 (ou não os há da mesma forma), vale o recurso aos seus registos, como o Dicionário das Festas, Romarias e Devoções da Madeira, uma edição da DRC-Livros da Madeira.
Podem também recorrer aos registos disponibilizados pelo Museu Etnográfico da Madeira, como estes sobre a Festa de Nossa Senhora do Livramento, que se realiza neste último fim de semana de Agosto no Curral das Freiras, concelho de Câmara de Lobos:
Estas e tantas outras tradições suspensas - o nosso património imaterial - não se hão-de perder pelas alterações forçadas deste ano, inéditas em tantos séculos de história.
Enviem-nos histórias e imagens das "viagens à volta das vossas casas" (ou alheias). Continuamos a registá-las para memória e partilha futura.
Em Setembro, esperamos voltar a promover iniciativas presenciais, suspensas em Março. Contamos convosco. Até breve.
A Direcção da Associação Casas com Histórias
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